inauguração. quinta-feira, 18 de Março de 2010, 19h
Exposição colectiva, dos Jovens Artistas Plásticos, Cátia Ferreira, Filipe Mateus, Ricardo Pacheco e Desidério Sargo, Patente ao Público até dia 20 de Abril. [técnicas: Pintura, Técnica Mista, Vídeo-Multimédia e Desenho.]
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TOTUM
Ricardo Pacheco nasceu em 1974 e fez o seu percurso académico na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. Vive e trabalha em Lisboa, mas os seus trabalhos não têm um lugar fixo nem surgem de onde se possa indicar — pertencem exclusivamente à pintura. Pintura do interior. Não de um interior gasto e comum de novas tendências mas um interior completamente perene e genuíno.
O trabalho do Ricardo é honesto, inteiro e sincero. É de um desenhador hábil que desde muito cedo deixa cair o traço que empresta à sua imaginação e nos mostra os outros que também somos. Sempre teve uma grande facilidade para a representação visual do mundo que o rodeia, mas é a sua imaginação que começa cada vez mais a ter lugar nas obras que mostra: uma relação pura e desprotegida com essa coisa que é o mundo do imaginar, da imagem que não tem forma, corpo ou matéria, e mergulha nela com a mesma intensidade como precisa d’água para viver. Mas a sua obra nada tem de abstracta.
O que mais nos toca é o rosto, o rosto de um amigo, o rosto da mãe, se ainda o temos connosco… o rosto da nossa casa, da terra que nos diz. O rosto ancestral do mundo, aquela fisionomia inefável que diz Tu e Eu. A relação pessoal que temos com certos lugares. A nossa natureza, quer ela seja urbana ou tão simplesmente natural. A nossa própria natureza enquanto paisagem de um mundo que dificilmente chegamos a conhecer. Que forma têm as coisas? O que é o formal? Ricardo não procura o rosto meramente dito, ou tão facilmente reconhecível, mas um que lhe diga quem é e onde está com mais lealdade. Na verdade, o rosto é uma máscara que nos impede de atingir o reconhecível, mas estamos tão habituados a fazê-lo que é por instantes de segundo que isso acontece e não chegamos a ter consciência disso. Aquilo que nos é mais familiar é o que de mais estranho nos é dado acesso.
De frente de uma tela branca temos tendência para procurar. «O que é que eu vejo, onde está o rosto?» E essa força que nos leva à procura é o que impede o encontro. Tão simples como encontrar exactamente o que procurávamos, e perder o que não sabíamos que lá estava. Será que sabemos quem somos? Pode argumentar-se que somos quem achamos que somos. Mas isso é o que achamos que somos, não o que somos, e o que achamos que somos não é o que deixamos perdido...
O encontro é a metodologia deste artista que não procura, que se deixa encontrar a si e por si. O encontro de si mesmo vezes e vezes sem conta, coado pelas múltiplas relações com o mundo e com as pessoas. É na sua incansável abertura à vida e ao que nela advém, nos ritmos do corpo, nos passos dos animais e nos voos auspiciosos das aves, nas árvores , nas trocas, na fertilidade da constante partilha com quem gosta de cultivar. Nas longas conversas com os seus amigos.
Estas pinturas e, sobretudo, estes desenhos, dão-nos todos estes percursos intensos, dão-nos o que está lá dentro e a maturidade sacra do encontro. A consistência da obra do Ricardo obriga-nos a olhar toda ela para poder observar uma pequena série como esta. E o mesmo acontece no sentido inverso, tal é a sua unidade. Os desenhos que o artista agora nos oferece, que dão nome à sua presença nesta mostra, o nome deste texto, podem tomar-se como um marco alcançado da sua própria representação.
Sara Constança